18 de dezembro de 2008

We'll Always Have Paris

Na passagem de ano a malta juntava-se sempre numa garagem ou numa casa desabitada, que era coisa que não faltava na aldeia, emprestada por um avô ou pai, juntava uns trocos, comprava umas febras, umas grades de cerveja, roubava uns chouriços e uma garrafa de espumante e fazíamos o nosso réveillon privado. Sempre com muita música, animação e alguma "brincadeira", o qb para uma noite bem passada com os amigos de sempre.

Nesse ano porem foi diferente. O tio Augusto convidou-me a ir com ele a Paris. Como andava a tratar da CEE tinha de viajar para França e passar por lá o Ano Novo. Depois de convencer a minha avó que a muito custo e com a promessa que não me levaria por maus caminhos nem me misturasse com aquela gente do "Bochechas" e que estaria de volta a casa impreterivelmente no dia 4 de modo a voltar a tempo do início das aulas, lá acedeu a que o tio me levasse com ele.

O mais complicado foi convencer o meu pai, mas o Augusto fez prevalecer a sua autoridade de tio e o meu pai lá acabou por concordar que iria ser uma boa experiência para mim, em vez de ficar por ali pela aldeia onde provavelmente me embebedaria e acabaria a noite com ele a ter de me ir buscar ao fontanário, onde acabavam sempre todos os bêbados de todas as passagens de ano.

E assim foi, em menos de nada seguia-mos de carro para Lisboa. A primeira coisa que fizemos logo depois de dar entrada no Hotel Avenida Palace foi arranjar-me um passaporte, coisa normalmente complicada mas que o Augusto conseguiu com a ajuda de um assessor do tal do "Bochechas" no próprio dia.

O hotel deslumbrou-me, nunca tinha em toda a vida experimentado o verdadeiro luxo e recordo até hoje os lustres, a escadaria, o quarto e os lençóis. Aqueles lençóis imaculados com toque de puro mel. Passamos lá dois magníficos dias praticamente enclausurados no quarto, só saindo no sábado de manhã para me comprar roupa "decente", uma mala e um corte de cabelo.

No dia seguinte voamos para Paris. Lembro que me senti um galã de Hollywood com as minhas roupas novas a sair do avião ao encontro da cidade luz. Ficamos hospedados no Ritz na Place Vendôme, e depois de uma visita relâmpago pelos sítios turísticos e de mais de 15 rolos de fotografias, fomos finalmente jantar ao Les Élysées, um magnífico e luxuoso restaurante onde comi "Foi de veau" com umas batatinhas tipo berlinde e um molho à base de licor de absinto. Mais uma vez senti-me nas nuvens, sentia-me um príncipe russo em férias.

Nessa noite fomos a um bar que o tio conhecia e que se eu passasse por lá sozinho nunca diria que existia ali um bar, foi a primeira vez que vi e ouvi um karaoke. A fauna ara no mínimo interessante, nunca até então tinha estado num bar gay e a visão de certas coisas, personagens e atitudes abriu-me definitivamente os olhos para outra realidade. Foi uma noite muito divertida, conheci o Lá Fraise, um punk de cabelo cor-de-rosa amigo do meu tio e a sua melhor amiga de todo o mundo e em casa de quem iríamos passar o réveillon. Cláudia, uma drag queen de 1,90m com uma vasta cabeleira loira quase até ao chão.

Nos restantes dias, fiquei praticamente só no hotel, embora não me faltasse nada, porque qualquer desejo meu era para satisfazer sem questionar, tais tinham sido as ordens do tio Augusto, sentia-me um pouco abandonado, tendo apenas por companhia Lá Fraise, que de quando em vez vinha conversar um pouco comigo entre clientes no cabeleireiro. Eu sabia que o tio tinha que tratar de uma série de coisas chatas e papelada e reuniões.

Mas tudo era compensado quando ele chegava. Despia-se, despia-me e tomava-mos um banho. Depois deitávamo-nos um pouco para descansar antes do jantar. É claro que eu nunca o deixava descansar, desejoso de por em prática tudo o que aprendia com Lá Fraise, era engraçado, ver aquele punk com ar amaricado nos salões de um dos hotéis mais luxuosos de Paris e no entanto ele movia-se por ali como se o Ritz fosse a sua casa.

A passagem de ano propriamente dita não teve grande glamour, no fundo resumiu-se a um grupo de senhores engravatados, acompanhados por uns quantos rapazes mais novos e uma drag queen vestida de lamé prateado da cabeça aos pés. Tudo bem regado a Veuve Clicquot.

Enquanto o Augusto conversava com um velho que tinha idade para ser trisavô dele, a companhia desse mesmo matusalém veio conversar comigo, tinha mais 2 anos que eu, ombros largos, queixo quadrado, cabelos aloirados e uns olhos do mais verde que se possa imaginar. Depois de alguma conversa no seu francês macarrónico, que ele era checoslovaco lá nos acabamos por entender em inglês apesar de eu apenas "arranhar" a língua de sua majestade.

Fiquei então a saber que se chamava Sergej e vivia em Paris há dois meses em casa de Moussieur Antoine que o tinha convidado a partilhar o seu palacete e a sua alcova, coisa que Sergej fazia de bom grado. Já que na parte da alcova, para alem de umas quantas tentativas falhadas por parte de Moussieur Antoine, Sergej apenas tinha de se deixar "massajar" pela velha raposa. Conversa puxa conversa, acabei sem saber muito bem como, numa casa de banho com aqueles olhos verdes enquanto uma língua aveludada me percorria partes do corpo que eu nem sabia que existiam.

Cerca das 22 horas a coisa começou a esfriar, ou melhor começou a aquecer, porque dois a dois os velhadas e os rapazes ião desaparecendo, peguei no Sergej e no meu tio Augusto e sem uma palavra arrastei-os escadas abaixo enquanto este barafustava que ainda tinha umas coisas da conversa que estava a ter que queria explorar. Mandei o chauffeur levar-nos ao hotel e em menos de meia hora estava-mos naquela cama king size a explorar outras coisas.

Nessa noite não vimos o fogo-de-artifício. Infelizmente. Para o Moussieur Antoine, que em princípio dormiu sozinho.

6 comentários:

João Roque disse...

Estou a adorar estas tuas histórias.
Abraço.

x_bear disse...

apenas para te mandar um abraço e desejar um 2009 em grande...
um forte abraço***

André disse...

um feliz 2009!

descolonizado disse...

mais uma ótima história!
adoro!

Daniel disse...

Um beijo de Londres do tamanho do Big Ben.
Cheers
Daniel
www.sembolso.blogspot.com

Anónimo disse...

Hum...
...
Interessante!