26 de julho de 2016

Duques e cenas tristes



Durante anos o som da buzina do General Lee teve em mim o mesmo efeito que a campainha tinha no cão do senhor Pavlov. 40 minutos de acção, comédia e muita baba.

Loiro, irreverente a com ar de quem não partia um prato, Bo Duke partia-me todo. Certo que a mana dos meninos Duke também era boa como o milho com aqueles calções curtinhos que ficaram internacionalmente conhecidos até hoje por "Dazy Dukes". Depois havia o Luke, moreno e mais "normal" mas mesmo assim um pedaço daquela América rural que nenhum de nos se importaria de provar. Mas eu derretia-me mesmo era pelo Bo.

Nem me lembro quantas e quantas tardes de primavera passei com o Chicha nas traseiras da casa da Dona Olinda da pastelaria que tinha lá estacionado o que para nos era O General Lee, um Dodge charger rt 69 cor de laranja com a bandeira da confederação americana pintada no tejadilho. Bom o carro da Dona Olinda não era um Dodge, era um Renault cor de laranja meio podre de tanta ferrugem, não tinha nenhuma bandeira pintada e dizer que estava estacionado é um eufemismo tanta era a erva que crescia fora, em volta e dentro dele. Mas era cor de laranja porra!

Corríamos em velocidade louca e num salto entravamos pelas janelas da frente, imaginando perseguições policiais e saltos que desafiavam qualquer lei de Newton.

Muitas foram as tardes passadas em grandes perseguições a alta velocidade pelo Condado de Hazzard.  Saía-mos da telescola e seguíamos religiosamente para as traseiras da casa da Dona Olinda e para o nosso General Lee. Conduzíamos á vez saltando em voos picados sobre carros de polícia e ribanceiras, e quase sempre enquanto um conduzia o outro aproveitava para manusear a maneta das mudanças, a sua e a do outro.

O certo é que por mais divertido que fosse a certa altura do campeonato a coisa começou a esfriar. E decidimos que estava na hora de falar daquela brincadeira a malta do costume. Precisamente quando decidimos adicionar um Tio Jesse ou um xerife Rosco, apareceu pela aldeia um primo da Julia Cartaxa que tinha um irmão mais velho que costumava bater pivias no miradouro da escola primária enquanto observava o estendal das cuequinhas da Dona Détinha, uma loira oxigenada casada com um velho com idade para ser avô dela, mas enfim, voltemos ao primo da Julia Cartaxa. O pai do rapaz tinha sido preso por ter dado uma carga de porrada num cigano que o enganou num negócio de cavalos ou cavalo, nunca percebi muito bem esta parte, e ele tinha vindo passar uns tempos em casa da tia a ver se arrebitava porque andava muito triste com a história do pai. Chamava-se Miguel Jorge, para mim seria sempre Bo. Tal como o meu herói também este era loiro, carinha de anjo, olhos azuis e um ar de quem nunca tinha apanhado um raio de sol na pele. Hoje diria que ele era albino mas na altura não fazia a mínima ideia que isso existia.

O certo é que, como Chicha era vizinho da Julia Cartaxa, inevitavelmente o Bo acabou connosco no General Lee. E acabou em mais do que uma maneira e em mais do que uma posição. Fiquei então eu como sendo o Luke, o Miguel o Bo e o Chicha como uma espécie de Tio Jesse.

Como tio, o Chicha encarnou na personagem e sempre que éramos apanhados confusões pela policia éramos repreendidos e obrigados a polir-lhe a maneta das mudanças. Ao princípio o Bo estranhou a brincadeira limitando-se a observar esbugalhando os olhos e a braguilha das calças. Depois acabou por também por dar uso as mãozinhas passando bons momentos no banco de trás com uma maneta em cada mão a ver se produzia "moonshine".

"Moonshine" era o uísque clandestino que o Tio Jesse produzia e comercializava, o nosso "moonshine" era outro, mais leitoso, orgânico e natural, até porque uísque não era coisa que se arranjasse facilmente. Dos três quem mais produzia era sem dúvida o Bo que por mais do que uma vez quase encheu um daqueles copinhos em que o pai do Chicha bebia o bagacinho de manhã. Foi ele quem se lembrou de provar, a ver a que sabia aquele "moonshine", primeiro só a molhar a ponta da língua, depois a molhar os lábios e finalmente depois de comprovar que não era desagradável, a empinar tudo como se fosse um copo de vinho na adega. Todos provamos, primeiro o do Bo e depois o do Chicha.

Mas como tudo que é bom acaba depressa e a Dona Olinda deu com a brincadeira e mandou fechar o portão do quintal. Ficamos sem o General Lee.
Pouco tempo depois o Bo voltou para casa. Infelizmente. Para ele que acabou por não provar do meu "moonshine". Quem ficou contente foi o Chicha, que ficou com mais só para ele.

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