25 de julho de 2008

Halley

A Estela tinha um irmão que tinha um telescópio, um telescópio a sério e que sabia mesmo o nome das estrelas e das constelações e mapas dessas mesmas constelações para várias alturas do ano e que sabia de cor os dia certos para observar os planetas e que as estrelas cadentes eram meteoritos e o que era um cometa e foi ele que nos avisou que vinha ai o Halley. Chamava-se Fernando e usava sempre suspensórios e óculos com aros de tartaruga e tinha uma armação em metal com lentes escuras que encaixava nos óculos para ficar com óculos escuros e que me ensinou onde fica Orion e a Cintura de Orion e que representava um caçador e outras coisas a que sinceramente nunca prestei muita atenção porque ele foi a primeira pessoa que conheci que para alem de parecer uma enciclopédia de astronomia adorava desafios de matemática livros de quebra-cabeças e fazia musculação, disto tudo eu fingia interessar-me por astronomia e pelo cometa Halley mas na verdade eu gostava mesmo era de anatomia, principalmente da dele. A minha casa tinha três andares e era a mais alta da rua, tinha um terraço ao nível do segundo andar e de lá todas as manhãs por volta das sete e meia, hora a que me levantava para ir para o liceu, via o Fernando debaixo do telheiro do quintal a levantar pesos e a fazer abdominais, ficava nisto sempre cinco minutos antes de me ir masturbar e tomar duche, tomava o pequeno-almoço e saia para a paragem do autocarro onde os outros já me esperavam. O Fernando já andava no último ano e ia de mota e um dia fiz de propósito para perder o autocarro e fui-lhe pedir boleia que ia ter teste e mais uma seria de balelas e ele deu e assim fui abraçado aquele “tronco” com as mão bem agarradas aqueles abdominais bem torneados, ao chegar disse-lhe que tinha medo de andar de mota e pedi desculpa por me ter garrado com tanta força e vai ele “não faz mal puto sempre quiseres podes-te agarrar a mim...” eu ruborizei e sai disparado em direcção à sala de aula. Depois à noite e com a desculpa sempre esfarrapada do cometa, coisa que andava a fascinar toda a gente que até parecia que era contagioso, lá ia para casa dele para o sótão ver as estrelas e as constelações e como o sótão era quente como o caraças por causa da caldeira de aquecimento que o pai deles tinha instalado e que mandava o calor todo para ali enquanto a casa permanecia um gelo, ver o Fernando em tronco nu. Então um dia, se não estou em erro em Março, ele diz “temos de sair esta noite, vamos para o mato que aqui há muita luz” e lá fomos, ele eu o telescópio e dois sacos cama a caminho do descampado ao lado do Campo-da-bola para ver finalmente o tal do cometa, lembro-me de estar um frio de rachar e depois de montado o telescópio e ele o ter orientado de acordo com uns mapas nos termos enfiado nos sacos camas e de termos começado a bater os dentes com o frio e depois juntamos os sacos para nos aquecermos melhor e eu tomei coragem e aquecemo-nos mesmo, o certo é que no fim acabei por não ver o cometa nem naquela noite nem nas outras que se seguiram. Infelizmente. Para o cometa.

1 comentário:

Bubbles disse...

Lembro do cometa!
passou em 1986.
Eu o vi!
xxx